O quarteto californiano Gameface está na ativa desde o início da década de 1990 e já foi um dos destaques da gravadora Revelation Records ao lado de bandas como Farside, Texas the Reason, Shades Apart, entre outros.
A banda desembarca no Brasil pela primeira vez e se apresentará nesta semana no The House (antigo Hangar 110) e no Oxigênio Festival em São Paulo. O grupo de Orange County, Califórnia é liderado pelo vocalista Jeff Claudill que nos últimos anos tem dividido o seu tempo entre as atividades do Gameface e seu projeto solo.
A HS Press conversou com com o vocalista Jeff Claudill sobre o início da banda, turnês, lançamentos e a recente passagem do grupo pelo Japão.
O Gameface completou 28 anos de vida. Como é pra você ter começado uma banda há 28 anos e estar envolvido com a musica até hoje? Na sua opinião, o que mudou para melhor ou pior?
Eu acho incrível o fato de eu ainda poder fazer música com essa banda depois de 28 anos. Tenho muita sorte pelas pessoas ainda mostrarem interesse em nos ver tocando e eu realmente considero isso algo extremamente importante. A forma como eu enxergo minha banda mudou diversas vezes durante as últimas três décadas. Quando começamos éramos muito novos e tudo que queríamos era tocar nossas músicas e criar algum tipo de conexão com as pessoas. Isso obviamente aconteceu muito antes da internet. Mesmo sem saber direito o que estávamos fazendo, sempre nos divertimos muito. Nós viemos na cena hardcore e eu sentia que sempre estávamos tentando ganhar o respeito de outras bandas, produtores e fãs. Nós trabalhamos duro e eu sinto que fomos recompensados. Nós gravamos alguns álbuns, fizemos muitas turnês, desenvolvemos uma autêntica identidade sonora, fomos acolhidos por uma cena musical verdadeira e conquistamos fãs ao redor do mundo. Posso dizer que isso era tudo que eu esperava da banda mas nós também criamos expectativas quando conseguimos um pouco de sucesso e chegamos em um momento em que tivemos que definir o que a banda significava para nós. Era um trabalho? Somente diversão? Ainda era uma paixão? Cada um de nós acabou respondendo essas perguntas de formas distintas. E foi nessa hora que o motivo de termos começado uma banda passou a ficar difícil de lembrar. Então sentimos que era hora de dar um tempo. Nós chegamos em um ponto em que não conseguíamos nos comunicar mais uns com os outros e entramos em um hiato. Levaram muitos anos até que voltássemos com o Gameface. Então, avançando para os dias de hoje, acredito que agora estamos no momento certo pois tudo o que fazemos é para curtir a música. Sem cenas políticas ou por trabalho. Só a música e as pessoas que pensam que isso é possível. Acabei de perceber que provavelmente eu não respondi a pergunta da forma que você perguntou… Sobre o que mudou no cenário musical, tudo mudou.
Você se lembra como foi a primeira vez que o Gameface tocou junto? O primeiro show? Como é para e pensar no começo da banda?
Eu me lembro da primeira vez que ensaiamos. Foi na casa do nosso baixista, provavelmente no verão. Lembro que estava muito quente, havia somente um ventilador de teto no lugar e nós ficávamos colocando nossas cabeças perto dele para tentar nos refrescar. Nós nos encontramos meses antes em uns shows locais de punk e hardcore. Todd e eu sempre víamos Paul e Bob nos mesmos shows então ficou óbvio que gostávamos das mesmas coisas. E ai conversamos e decidimos que tínhamos que tentar formar uma banda. Minha memória é um pouco confusa mas eu acho que acabamos escrevendo algumas músicas logo no dia em que conversamos pela 1ª vez para formar a banda. Imediatamente nós abandonamos nossos projetos anteriores e decidimos que essa banda seria nossa única prioridade. Era um momento empolgante. Eu toquei em várias bandas desde então mas eu acho que você só consegue ter essa sensação uma única vez. Nós fizemos vários shows em garagens e festas de quintal antes de fazermos um show de verdade. Nós abrimos para o Inside Out e para o World Trust na casa mais legal de punk daquela época no Sul da Califórnia. Na minha cabeça, nós tínhamos conquistado o que queríamos. Por ter crescido naquela região, ao lado de todas essas bandas icônicas como Social Distortion, Adolescents, DI, Sublime, Uniform Choice, Insted, etc, era uma sensação incrível. Parece que tudo aconteceu em outra vida.
Quais são suas inspirações musicais e pessoais que ajudaram a definir a identidade do Gameface?
Para mim, as bandas que moldaram a forma que eu vejo a música e mais especificamente o que o Gameface produz são o Descendents e o R.E.M. A influência do Descedents em nossa banda é, obviamente, a sonoridade. Eles são os mestres absolutos no pop-punk melódico. O R.E.M. tinha um som indie rock único que me conquistou na primeira vez que eu os ouvi em meados dos anos 1980. Eles sempre foram uma banda na qual eu me inspirei devido ao fato de misturarem diversos gêneros e se manterem firmes em sua ética punk rock. Existem várias bandas que influenciaram o som do Gameface no início – bandas de diferentes estilos… The Clash, The Alarm, uma banda power pop dos anos 80 chamada Candy, uma banda de rock alternativo inglesa dos anos 90 chamada Ned’s Atomic Dustbin e também 7 Seconds, Big Drill Car, Green Day…
Mesmo que o Gameface não possa ser considerada musicalmente uma banda hardcore, a conexão próxima com muitas bandas de hardcore de Orange County e da gravadora Revelation Records é uma parte importante na história de vocês. Você poderia citar suas bandas favoritas de Orange County e da Revelation e o porquê de você gostar delas?
Nós temos laços bem próximos com as bandas da Revelation. Por termos crescido em Orange County, sempre tocamos e convivemos lado a lado com muitas dessas bandas. Mas nossa ligação sempre foi mais próxima do Farside. Além de ser uma das minhas bandas favoritas de todos os tempos, eles foram uma grande influência para nós. Eles foram uma banda da cena hardcore que não se limitou ao estilo de música hardcore. Sempre admiramos eles pois eles não musicalmente eles nunca tiveram medo de tentar diferentes estilos de música. Nós fizemos nossa primeira turnê juntos e tocamos em diversos shows locais. O Popeye é um grande amigo meu até hoje. Nós até fizemos uma banda juntos chamada Your Favorite Trainwreck. Outra banda local que tocou muito conosco foi o Sense Field. Essa é uma banda que pessoalmente me inspirou muito de diversas maneiras. Eles fazem um som lindo, poderoso, inspirador e leve ao mesmo tempo. Eu já falei isso antes, ir em alguns dos primeiros shows do Sense Field era como ir para a igreja, no bom sentido. E eu não poderia deixar de falar sobre nossos grandes parceiros na costa leste, o Texas Is The Reason. Nós fizemos uma turnê com eles e nos tornamos grandes amigos. Eles também são culpados por ajudar evolução do nosso som e tiveram um grande impacto no fato de eu querer começar a tocar guitarra no Gameface. O Texas Is The Reason chegou a usar partes de nossas letras em suas músicas e então, nós também usamos algumas de suas letras em nossas músicas para demonstrar nossa adoração mútua.
Texas is the Reason: “Back and to the Left”
Gameface: “Laughable”
Nota: Em 1996 o Texas Is The Reason usou partes da letra da música “Three” do Gameface em “Back and To The Left” no álbum “Do You Know Who You Are?”: “I’ll always worry about you, and I’ll always stick up for you”. Em 2000, o Gameface retribuiu usando partes da letra da mesma faixa do Texas Is The Reason na música “Laughable” do álbum Always On: “And it costs so much I know but I guess I need to know what it felt like to be right”.
Junto a Jason Beebout [Samiam], Zoli Teglas [Ignite], Jonah Mantraga [Far], Walter Schreifels [Gorila Biscuits/ Quicksand], entre outros, você foi um dos vocalistas convidados para cantar uma música do Sense Field no show tributo ao falecido vocalista Jon Bunch alguns anos atrás. Quais são suas histórias e lembranças favoritas relacionadas a ele?
Um dos melhores momentos com o Jon foi ver ele cantando no último álbum do Gameface, “Now Is What Matters Now”. Durante as gravações nós convidamos alguns amigos para ir até o estúdio e faz parte das gravações. Nós queríamos os vocais icônicos do Jon na faixa título do álbum, “Now” e ver aquilo acontecer diante de nossos olhos foi algo mágico. Jon tinha uma voz forte e crescente, mas sempre foi muito gentil e bondoso com todos. Nós compartilhávamos da mesma paixão pelo R.E.M. e ele era uma pessoa genuinamente apaixonada por música e pelo fato de poder se conectar com as pessoas através dela. Jon era uma pessoa de alta estatura. Em média, ele tinha pelo menos 30cm a mais do que uma pessoa de estatura media. Mesmo assim, ele sempre encontrou uma forma de se conectar olho a olho e coração com coração com todos que cruzavam seu caminho.
Jeff Claudill cantando “Sage” com o Sense Field
Você se lembra quais eram seus sonhos e expectativas quando gravou o álbum “Good”, lançado em 1993?
Posso dizer que as sessões de gravação de “Good” foram um tanto quanto desastrosas. Nós estávamos nervosos e muito ansiosos pois sabíamos que “Good” seria nosso primeiro passo de verdade na cena punk. Foi nossa primeira gravação para ser lançada em um álbum completo e isso para nós na época era algo grande! Eu não esperava que a banda fosse explodir, mas eu esperava que com um álbum completo nós seríamos vistos como uma banda de verdade. Tudo o que eu queria era que fossemos levados a sério. Nós exageramos um pouco no processo de gravação; no som da bateria, em quantas faixas de guitarra adicionamos, etc. Mas no fim, nós nos certificamos que o álbum transmitisse aquilo que seria tocado ao vivo pois naquela época, nossas apresentações ao vivo foram o que nos aproximou de muitas pessoas. Eu acredito que é ai que está a verdadeira conexão com os fãs.
Você acha que algumas bandas emo/ pop-punk da década de 2000 estavam mais preocupadas com seus cortes de cabelo do que com a música? Você acha que o comportamento sobressaiu à identidade do estilo musical?
Eu acredito que sim. Eu sei que é fácil para mim dizer isso agora que sou mais velho, mas eu lembro de haver uma mudança significativa no foco do cenário durante esses anos. Ao passo que as bandas pop-punk/ emo se tornaram mais e mais relacionadas à moda, as pessoas envolvidas nessa cena começaram a se preocupar muito mais com seus visuais e suas “carreiras” do que com a conexão com seus fãs. Eu notei que muitas bandas tinham empresários e assessores de imprensa antes mesmo de terem músicas prontas. Eu sei que isso é algo que acontece com tudo que se torna popular, mas foi deprimente ver isso acontecendo tão próximo de nós.
Vídeo clipe de “Always On”
Você acha que houve uma mudança significante entre os discos “Three To Get Ready” de 1995 e “Every Last Time” de 1999, ou é só um sentimento entre os fãs?
Sim, houve uma grande diferença. Foi entre esses álbuns que eu comecei a tocar guitarra e cantar ao mesmo tempo. Eu sinto que evoluímos nesse período e deixamos de ser simplesmente uma banda pop-punk. Acredito que para a maioria dos fãs, foi uma mudança bem recebida. Obviamente, eu tive que me adaptar, pois sempre fui somente o vocalista da banda e agora eu tinha que tocar e cantar. Ao invés de ficar pulando no palco com o microfone na mão, agora eu tinha uma guitarra comigo e um pedestal com um microfone na minha frente. Esse foi o primeiro passo para se tornar a banda que somos hoje.
Como foi passar pelo processo de tocar guitarra e cantar ao mesmo tempo? Isso acabou “estragando” sua performance ao vivo ou algo do tipo?
Definitivamente foi diferente. Eu entendo que alguns fãs sentiram falta de como era comigo usando só o microfone. Mas nós precisávamos evoluir para continuar. Eu levei um tempo para aprimorar a técnica de tocar guitarra e cantar ao mesmo tempo, mas depois se tornou algo natural. Eu não consigo mais me imaginar sem tocar guitarra nesta banda.
Existe algum tipo de peculiaridade no processo de composição do Gameface?
Posso dizer que antigamente era tudo mais democrático, pois nós todos escrevíamos as músicas. Nos discos mais recentes, eu sou o principal, se não o único compositor. O que não quer dizer que eu faça tudo sozinho. Eu chego com as músicas para a banda e todos adicionam vida à elas.
Se você tivesse que descrever a música do Gameface em algumas palavras, quais seriam?
Punk rock melódico e honesto.
O Gameface acabou de tocar no Japão. Como foi a experiência? Além disso, vocês já pensaram que tocariam no Brasil algum dia? O que a banda e os fãs podem esperar?
O Japão foi uma aventura inesperada. As pessoas e as bandas foram muito legais conosco. Nós encontramos fãs que disseram que esperaram 20 anos para nos ver tocando. Foi uma das experiências mais recompensadoras que eu já tive como membro desta banda. Eu espero algo parecido no Brasil. Espero que nós encontremos fãs que queiram cantar e se divertir conosco. Posso adiantar que iremos colocar nossos corações em todas as músicas.
Colaboração: Rafael Carpanez, Vina Castro
Tradução: Bruno Calmon