Há 42 anos, a gravadora californiana Alternative Tentacles se mantém como referência importantíssima para quem procura música alternativa, barulhenta e instigante.

Primeiros lançamentos

“California über Alles” não foi apenas um dos melhores trabalhos de estreia surgidos na história do punk. O compacto dos Dead Kennedys, lançado em junho de 1979, foi o primeiro lançamento a trazer o nome Alternative Tentacles. O selo foi fundado em San Francisco, cidade de origem do grupo, por Jello Biafra e East Bay Ray. O famoso morcego rodeado por um círculo feito de tentáculos, quebrando uma cruz e uma bomba atômica com cada pé, veio pouco tempo depois. Fresh Fruit for Rotten Vegetables, primeiro álbum dos Dead Kennedys, foi originalmente lançado na Inglaterra, em 1980, mas em uma das reprensagens da edição norte-americana do trabalho, licenciado para a I.R.S. Records e lançado em 1981, o logo da Alternative Tentacles já figurava enorme, impresso no lado B do disco. Não demorou muito para que trabalhos de outras bandas surgissem através da nova gravadora.

The Witch Trials, uma banda synth punk de vida curta e com uma formação intercontinental e um tanto esquisita inaugurou o formato EP no selo. Jello Biafra, Adrian Borland (então na banda post-punk londrina The Sound), Morgan Fisher (ele tinha sido tecladista da banda de glam rock inglesa Mott the Hoople), Christian Lunch (artista da minimal wave) e East Bay Ray em metade das faixas gravaram um único disco homônimo, lançado em 1981 por uma parceria entre a Alternative Tentacles e a Subterranean Records, considerada a primeira gravadora de hardcore punk de San Francisco.

No mesmo ano, surgiu a primeira coletânea do selo, Let Them Eat Jellybeans! Com o subtítulo 17 Extracts from America’s Darker Side, o disco é uma espécie de carta de intenções da gravadora. O lado A traz nove faixas de bandas de hardcore punk que despontavam na época, como D.O.A., Bad Brains e Circle Jerks, enquanto que o lado B vinha com artistas e bandas com um som mais para o art rock, como Half Japanese e Voice Farm.

Grandes bandas passaram pela gravadora

Nos anos seguintes, ter um disco lançado pela Alternative Tentacles passava a ser motivo de orgulho. Uma das razões é estar numa casa onde o punk rock sempre tem um pé no estranho ou desconhecido. A banda canadense Nomeansno e a nova-iorquina Alice Donut, que têm a maior parte de suas discografia lançada pelo selo, são bons exemplos disso.

Outro motivo tem a ver com a posição política adotada pela gravadora. Desde que surgiu, mantém uma atitude provocadora e de enfrentamento ao governo norte-americano, não importando quem esteja na presidência. Nem Barack Obama se safou de críticas, mas, claro, ficaram muito mais acirradas quando Donald Trump assumiu o posto. As camisetas mais famosas feitas pelo selo não são de bandas, mas exibem as frases “Nazi Trumps Fuck Off” e “Trump Hates Me”.

Mais de 150 artistas e grupos já tiveram trabalhos lançados pela Alternative Tentacles, desde o punk rock de grupos como Black Flag, The Dicks e T.S.O.L., e do hardcore punk de bandas como 7 Seconds, SNFU e Amebix, passando pelo rock alternativo do Flipper, Butthole Surfers e Melvins, pelo metal do Brujeria e Neurosis, e até mesmo os spoken words do próprio Jello Biafra e do linguista Noam Chomski.

Novos tentáculos

O catálogo atual da gravadora é prova do alcance de seus tentáculos na música alternativa. Junto a Jello Biafra and the Guantanamo School of Medicine (desde 2008, a banda desse genial vocalista e compositor) e outras ótimas que representam o gênero estão o queercore do Pansy Division, a mistura instigante de punk rock, klezmer e música de cabaret feita por The World/ Inferno Friendship Society e ainda ArnoCorps, sexteto que só toca músicas de filmes com Arnold Schwarzenneger. Além de ótimos trabalhos lançados pela gravadora, ela ainda tem o Alternative Tentacles bATcast, podcast com novidades, entrevistas e o dia a dia do selo contado por quem trabalha lá, e What Would Jello Do?, série em vídeo apresentada pelo próprio Jello Biafra. 

Desde meados dos anos de 1980, quando os Dead Kennedys se separaram e iniciou-se um dos maiores imbróglios judiciais do universo punk, a Alternative Tentacles Records é gerida apenas por Jello Biafra. Ele perdeu o direito de usar o nome de sua antiga banda, mas ficou com essa gravadora histórica, que já está em sua quarta década de existência, lançando muita coisa boa como sempre.

Texto: José Julio do Espirito Santo