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As inspirações do Bad Religion

Conheça algumas músicas que ajudaram o Bad Religion a compor alguns de seus clássicos.

Vinicius Castro

Entender as inspirações que motivaram algumas composições das bandas que a gente gosta é algo que nos aproxima dos responsáveis por discos que tanto nos emocionam. Descobrir um acorde, uma linha de voz, um andamento de bateria ou mesmo a forma de escrever de artistas que influenciaram nossas bandas preferidas e perceber as conexões e os contextos que envolvem cada uma dessas situações é de fato realizador.

A biografia Do What You WantA história do Bad Religion, além de histórias repletas de camadas que se misturam com a criação do punk/ hardcore americano, traz outras curiosidades, entre elas, a menção de algumas referências diretas que inspiraram a banda a compor alguns de seus clássicos mais queridos pelos fãs. Foi pensando nisso que resolvemos trazer até vocês algumas dessas músicas e, além disso, contar um pouco sobre a relação entre elas e o Bad Religion.

ELVIS COSTELLO – “Watching the Detectives”

A considerar a forma como o Bad Religion aposta nas melodias, não é nada surpreendente descobrir que uma de suas músicas foi inspirada no Elvis mais querido do punk.

Muito antes de invadir as telas de cinema com a glicêmica “She”, trilha sonora do filme Um Lugar Chamado Nothing Hill, Elvis Costello lançou discos incríveis calcados em guitarras altas, timbres vivos e lindas melodias, dentro do assim chamado powerpop, algo que o Badfinger já havia feito anos antes.

Dentro da coleção de músicas do maravilhoso My Aim is True, disco de estreia de Costello, lançado em 1977, está “Watching the Detectives” que, segundo conta a biografia do Bad Religion, foi a música que levou a banda a compor “Anesthesia”, do disco Against the Grain. Mas a inspiração não é tanto na sonoridade e sim na maneira como Costello escrevia. Brett Gurewitz (guitarra/ backing vocal) conta que estava tentando escrever uma música em que a letra oferecesse camadas múltiplas de interpretações para o ouvinte, assim como Costello fazia.

O interessante é que Costello também teve sua cota de inspiração para escrever “Watching the Detectives”, onde o andamento da música, bem puxado para o reggae, foi trazido do The Clash.

O Bad Religion, mesmo não reconhecendo uma inspiração direta, traz nos momentos finais alguns ecos de uma bateria que remete ao dub, subgênero do reggae, que faz com que as duas composições, ainda que de forma tímida, conversem.

DAVID BOWIE – “Ziggy Stardust”

Brett adora David Bowie e só isso já seria o suficiente para entender o contexto de “Chasing the Wild Goose”, do renegado Into the Unknow, segundo disco da banda, lançado em 1983. Sabe esses casos em que um disco pouco valorizado em sua época vem a ser item cult algumas décadas depois? Into the Unknow talvez pereça desse mal, o mesmo que atingiu grandes registros como Angel Rat, por exemplo. Não que o Bad Religion tenha alguma relação com Voivod, mas a trama parece semelhante, embora até hoje não tenha sido reconhecido como tal nem pelo público e tão pouco pela banda.

Into the Unknow é totalmente diferente de tudo o que o Bad Religion representa. É um disco com músicas mais lentas, cheia de sintetizadores e que esbarram até, acredite, no rock progressivo(?), algo antagônico vindo de uma banda que fazia parte de um movimento que representava exatamente a antítese do rock progressivo das décadas de 60 e 70.

A biografia do Bad Religion conta um pouco dessa história. Eram outros tempos e Brett enxergou aquele como um período de mudanças. A fluência com que David Bowie trafegava por entre suas mudanças artísticas fez com que Brett pensasse em experimentar outras sonoridades. Ouça “Chasing the Wild Goose”. Em seguida, ouça a clássica “Ziggy Stardust”. Fica claro o quanto Brett, que chegou a dizer que Into the UInknow foi um erro terrível, gosta de David Bowie. Sob o nome Bad Religion, é um disco deslocado. Mas, desculpe Brett, não é um erro terrível.

PIXIES – “Dead”

Frank Black é um dos nomes mais mencionados quando o assunto é identificar a gênese do rock alternativo da década de 90. Junto ao Pixies, ele foi um dos grandes responsáveis por grande parte das melodias, desde as mais radiofônicas até as mais subterrâneas, que costuram a música independente daquele período.

No livro, Brett Gurewitz conta que “Beyond Electric Dreams”, música composta por ele, Brooks Wackerman e Chris Wollard, do Hot Water Music, foi inspirada em Frank Black, inclusive na ideia de usar um megafone em algumas partes, assim como Black fez em “Dead”, registrada no grande clássico Doolittle, lançado em 1989.

NIRVANA – “Smells Like Teen Spirit”

Hoje, com tanta facilidade de acesso aos artistas e suas biografias, fica difícil colocar em palavras a forma como o Nirvana virou de cabeça para baixo, e sacudiu até que conceitos e pré-conceitos caíssem de todos os bolsos, a música na década de 90.

Dentro da chamada “programação normal”, o máximo que as rádios chegavam perto do rock era ao tocarem bandas como Men At Work, The Police e The Cure. Não que isso fosse ruim, mas a contemporaneidade em relação ao novo não era uma premissa por aqui. Mas, em 1991, com a chegada de Nevermind e a explosão de “Smells Like Teen Spirit”, o Nirvana devolveu o protagonismo ao rock. Mais do que isso, todos os holofotes foram direcionados para o rock alternativo. O single teve estreia na MTV, que passava o vídeo de hora em hora, incansavelmente. Foi impossível resistir ou passar ileso(a). Dez entre dez pessoas lembram com exatidão onde estavam quando ouviram “Smells Like Teen Spirit” pela primeira vez. O Nirvana aconteceu, era um fato e a partir dali a música nunca mais foi a mesma.

Entre mortos e feridos por aquele bombardeio revigorante, salvaram-se todos: críticos caíram nas graças da banda, o público viciou nas estruturas cancioneiras absorvidas do Pixies (loud/quiet/loud), e no Brasil, inúmeras bandas foram formadas a partir de então, o que gerou ótimos nomes no rock alternativo feito por aqui.

No meio de todos esses impactados pelo Nirvana, estava o Bad Religion, que em Stranger Than Fiction gravou “Infected” como uma tentativa de compor uma música com pitadas grunge, o que, segundo Brett, faria com o que o a banda se mantivesse atual. A gente, claro, agradece. Ao grunge e ao Bad Religion, porque “Infected” é uma grande música!

THE POLICE – “Walking on the Moon”

“Sorrow” é outra música que teve sua história determinada por uma banda muito conhecida na década de 80, e que teve suas origens no punk: o The Police, formado em 1977, ano da explosão do movimento no mundo e que, em seus primeiros anos de vida, não lembram em nada a banda que viria a gravar músicas radiofônicas como “Every Breath You Take”.

“Fall Out” é punk rock setentista dos bons, o que faz com que qualquer influência do The Police em alguma música do Bad Religion não seja algo assim tão inimaginável. A história conta que tal influência ocorreu em “Sorrow” muito por conta da levada reggae que a banda trouxe para o rock na década de 80.

A versão inicial de “Sorrow” tinha uma introdução mais pesada e lenta, mas tudo mudou quando Brett mostrou sua então nova composição para uma prima que, ao escutar, disse que aquele andamento fazia ela lembrar de Pat Benatar, de “Love is a Battlefield”, clássico da década de 80. Talvez por conta da relação de Benatar com a música pop açucarada daquela época, Brett ficou bem chateado com a comparação e sugeriu: “E se a gente fizer uma levada reggae?” Foi aí que eles experimentaram um andamento como o que Stewart Copeland, baterista do The Police, costumava fazer ao explorar batidas que usam o próprio aro da caixa e traz um som mais, digamos, acentuado. Bingo!

NEIL YOUNG – “Cowgirl in the Sand”

Em 2019, Everybody Knows This Is Nowhere completou meio século. Um clássico de Neil Young, considerado por boa parte dos amantes do rock, do punk e afins, como um nome influente para boa parte da geração do rock alternativo. A comprovação do respeito por Young veio em forma de disco no final da década de 80, com The Bridge: A tribute to Neil Young, que trazia bandas seminais como Sonic Youth, Loop, Nick Cave, Flamming Lips, entre outras, fazendo versões de músicas compostas por Young.

Flea, baixista do Red Hot Chilli Peppers, também já elogiou a conduta de Neil Young em respeito à sua música. “Ele nunca fingiu ser o que não é”, contou a Rolling Stone. O Pearl Jam também já convidou Neil Young por diversas vezes para subir ao palco e tocar “Keep on Rockin’ in the Free World”, como forma de homenagear o ídolo. Vale lembrar também a apresentação histórica da banda no VMA, premiação da MTV americana, em 1993.

Em relação ao Bad Religion, se você é fã de “Suffer”, agradeça a Neil Young. Brett Gurewitz conta que “Cowgirl in the Sand”, presente no segundo registro de Neil Young, foi a responsável pela composição de “Suffer”.

Brett estava brincando com as melodias e usando os acordes de “Cowgirl in the Sand” como ponto inicial. A partir dali ele criou a progressão melódica que viria a ser a faixa que dá título ao terceiro disco do Bad Religion, Suffer, lançado em 1988.

TOM PETTY – “American girl”

Já imaginou ter uma banda e gravar junto com um de seus heróis? Pois é, isso aconteceu com Brett Gurewitz, fã declarado de Mike Campbell, guitarrista do The Heartbreakers, a banda de Tom Petty, aquele de “Free Fallin'”, sucesso na década de 90 e tinha o famoso clipe com uma das personagens andando de skate em um ralf. “Free Fallin'” é parte do disco Full Moon Fever, é um dos discos favoritos Brett.

Depois de algumas tentativas, Brett conta que não estava muito satisfeito com o solo de guitarra de “Los Angeles Is Burning”, gravada no disco Empire Strikes First. Foi aí que ele teve a ideia de convidar Mike Campbell para gravar o solo da música, o que pra ele foi incrível, já que, segundo o próprio Brett, Campbell “é um dos maiores guitarristas de rock de todos os tempos.”

Ainda encantado com o fato, Brett recorda que Campbell gravou com a mesma guitarra que usou para fazer o solo de “American Girl”, do disco de estreia de Tom Petty and the Heartbreakers, lançado em 1976. Uma grande música!

Tempos depois, mais precisamente em 2010, Brett convidaria Campbell novamente para gravar com a banda, na faixa “Cyanide”, de The Dissent Man.